Renato Casarotti: “O futuro da saúde pós-pandemia”
O sistema de saúde caminha a passos largos para uma transformação focada na predição, na prevenção e no protagonismo do usuário. Os avanços tecnológicos facilitarão, cada vez mais, o atendimento e a realização de diagnósticos remotamente, em tempo real e de qualquer lugar.
Já é possível uma precisão de 90% a 99% na leitura de imagem diagnóstica por inteligência artificial. No desenvolvimento de IA de predição, tem sido possível acertar mais de 50% da população que terá AVC e infarto em 12 meses. É uma amostra do que seremos capazes de prever e monitorar. Precisamos nos preparar para receber toda a transformação que veremos nos próximos anos em genética, dados, biossensores, informação em tempo real e 5G, com o monitoramento dos pacientes.
Mas é importante que toda essa transformação seja focada na experiência do paciente e, simultaneamente, traga ganhos de qualidade e, principalmente, de eficiência. Mudanças que não atacam problemas essenciais tendem a ser meras geradoras de custo e desperdício, tão perniciosos ao nosso sobrecarregado sistema de saúde. Da mesma forma, as inovações tecnológicas precisam ser um meio eficaz de transformação do comportamento dos brasileiros. Mesmo porque é com a coordenação do cuidado e o engajamento das pessoas que mudaremos a ordem das coisas e promoveremos saúde em vez de simplesmente tratarmos doenças agudas.
Por sinal, a própria pandemia, a despeito das terríveis perdas humanas, acabou acelerando mudanças que têm ajudado na evolução do nosso sistema de saúde. Um exemplo é o ganho de agilidade no processo de desenvolvimento, aprovação e produção de vacinas. Da mesma forma, a disseminação e a popularização da telessaúde, particularmente das teleconsultas, é outro legado importante desse período desafiador. São conquistas da nossa sociedade que precisam ser preservadas e defendidas.
Falando em telessaúde (gênero do qual a telemedicina é espécie), a regulamentação definitiva, que traga segurança jurídica para quem a opera e para os que a utilizam, é imprescindível. Não podemos ter retrocessos nesse campo. Por sinal, pesquisa da Abramge com associadas responsáveis pela cobertura de 9 milhões de beneficiários indica que já foram realizados mais de 4,2 milhões de teleatendimentos desde o início da pandemia (até agosto/2021). Cerca de 90% das consultas remotas foram capazes de resolver as demandas sem a necessidade de deslocamento do paciente, com índice de satisfação altíssimo.
Infelizmente, nossos representantes no parlamento ainda não conseguiram conciliar os pontos controversos das principais propostas sobre telessaúde que lá tramitam, como as questões da remuneração dos médicos, das limitações territoriais da prática e da obrigatoriedade de primeira consulta presencial. Reconheço que diferentes interesses e visões estão em jogo. Mas precisamos avançar com uma legislação equilibrada, enxuta e capaz de preservar o acesso. Restrições excessivas, ainda que bem-intencionadas, tendem a bloquear o desenvolvimento da atividade e atrapalhar a inovação, que é a força motriz de toda a atividade, inclusive da medicina.
É fundamental que os nossos marcos legais e arcabouços regulatórios estejam preparados para a transformação digital que presenciamos. E aqui valem duas máximas importantes: menos é mais e, adicionalmente, indução é mais eficiente que restrição. As nossas normas devem se concentrar em regras e princípios gerais, afastando a tentação de detalhes excessivos e pormenores técnicos que, invariável e rapidamente, se tornam obsoletos e anacrônicos. Isso vale especialmente para as leis editadas nas nossas casas legislativas. É muito comum vermos leis extremamente detalhadas tornarem-se letra morta ou, pior, engessarem a inovação por não serem compatíveis com a velocidade e o dinamismo da ciência e seu impacto na nossa economia. A agilidade é o nome do jogo. Por isso, é fundamental deixar os detalhes técnicos para as normas infralegais, normalmente editadas por pessoas com mais expertise e podem ser ajustadas mais celeremente.
Há espaço para fomentar a cocriação de valor em saúde no Brasil, na esteira dos negócios colaborativos que proliferam mundo afora. As operadoras de planos de saúde podem dar suporte a essa jornada de evolução tecnológica, lançando mão de todo o conhecimento acumulado em dados e indicadores de eficiência, bem como das recentes experiências de gestão de saúde populacional.
Podemos acelerar a inovação no nosso setor nos dedicando mais à integração e à colaboração em tempo real. Também não podemos nos esquecer de que a transformação na saúde deve respeitar preceitos fundamentais, como segurança de dados, ética, qualidade e sustentabilidade. Nosso papel, enquanto elo fundamental da cadeia produtiva da saúde, é trabalhar com a inovação para sermos agentes da transformação — e não vítimas dela. Também precisamos nos manter atentos para que as mudanças sejam promovidas visando a melhorar a vida das pessoas. Porque inovação é meio e, por isso, necessita de propósito.
Fonte: Correio Braziliense
Por Renato Casarotti*
*Presidente da Associação Brasileira de Planos de Saúde (Abramge).